
Você que viveu na década de 90 já deve ter visto o clássico filme "Forrest Gump: o contador de histórias". Pois bem, em Araraquara temos uma versão contracultural desse icônico personagem: Hélvio Mori de Jesus, ou melhor, Hélvio Tamoio.
Ele nasceu na Gota de Leite de Araraquara em 1960, e cresceu na Usina Tamoio, daí o "apelido-sobrenome". Filho de trabalhadores da usina, ele também trabalhou por lá na juventude.
Sua vida bem que daria um filme: foi cobrador de ônibus, professor, redator de rádio, escritor, assessor de imprensa, oficineiro, vice-presidente da Cooperativa Brasileira de Dança, diretor do Centro de Programas Integrados da Fundação Nacional de Artes (Funarte) no Rio de Janeiro, e coordenou por anos o programa Paracatuzum na rádio UFScar. Além de espalhar diversos cineclubes no país, do Pará ao interior paulista.
Tamoio tem espírito dos anti-heróis dos filmes do cinema marginal brasileiro, sempre ligado a tudo que se movimenta e se ressignifica com arte. Produtor cultural incansável e estradeiro, o araraquarense literalmente não para.
Cada hora está em um lugar desse Brasil fomentando e cutucando a cultura, mas as suas raízes estão na Morada do Sol, local que sempre acaba retornando após suas andanças e projetos.
Porém, nesta pandemia, resolveu fazer do seu isolamento social um reduto de lives culturais com diversos artistas (e não só) do país através de suas redes sociais.
São educadores(as), psicólogos(as), músicos, estudantes, escritores, paraesportistas, em um grande leque de assuntos e histórias compartilhadas (quase) diariamente.
"Sem ter a pretensão de resolver os problemas do vírus, precisava encontrar alguma maneira de manter vivo o projeto "Cineclube na Estrada" que se fundamenta em dois dos maiores riscos da pandemia: viajar e encontrar pessoas. A live diária foi uma possibilidade na manutenção dos contatos. Deu muito certo, visto que foram criadas várias outras e, até mesmo, a viabilização de grupos de acompanhamentos de muitos trabalhadores da arte que não conseguiram sequer o auxílio emergencial e estão enfrentando muitas dificuldades", expõe.
Hélvio diz que o perfil diversificado dos(as) entrevistados(as) se dá pelo fluxo das necessidades apontadas nas próprias lives.
Como bom "deambulante" do País e outros países - já passou por 12 Estados brasileiros e em três países nos últimos cinco anos - muitos dos entrevistados são pessoas que conheceu em suas andanças artísticas.
"Andanças garantidas com muito escambo, passagens de chapéus nas apresentações e algumas colaborações de pessoas encontradas", conta.
PANDEMIA, CRISE E RESISTÊNCIA CULTURAL
Deste o início da pandemia, em março, foram mais de 200 lives com diversos profissionais. E ele reforça que com a implantação da Lei de Auxílio Emergencial "Aldir Blanc" criou também a live "Vapt Vupt" com o advogado Daniel Tercino.
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"Tudo para detalhar os encaminhamentos aos profissionais artistas e, até mesmo, o setor público que teria a obrigação de cumprir procedimentos e esclarecimentos aos cidadãos", pontua.
Ele reforça que se a área cultural já estava caótica antes da pandemia, com ela tudo se amplificou e muito.
A maioria dos artistas não está trabalhando como antes, perdeu empregos, shows e apresentações devido ao isolamento social imposto pelo novo coronavírus.
Muitos dependem do auxílio emergencial do governo e estão ligados em parcerias com escolas, universidades, associações de comunidades rurais e quilombolas.
"No nosso caso, que dependemos da rua e da boa vontade dos transeuntes, a subsistência e a própria existência virou penduricalho do tal realismo fantástico", reflete.
Hélvio conta com uma rede de três colaboradores mensais que o auxiliam com os gastos para manter as lives, entre outros. Faz escambos, desenhos, escreve textos e assessoria em projetos.
Ele também é a cabeça por trás do projeto coletivo Paracatuzum, nome inspirado em uma música do cantor Tom Zé.
"O Paracatuzum é o resultado de outros encaminhamentos que pautei, desde a juventude, na tentativa de ter acesso às informações e as ações voltadas para a arte. Caminho bastante excludente para os trabalhadores e as populações fora do centro. Se ainda hoje os artistas das margens estão fora dos processos decisórios do fazimento artístico, imagina na segunda metade dos anos de 1970", conta o incansável desbravador cultural.